quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Explicação 25

Explicação do impasse: quando te atravesso, temo perder a prioridade em cada um dos teus sentidos.

VS

Explicação 24

Explicação de algumas manhãs: sentenças de morte comutadas em penas de vidas forçadas.

VS

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

dias sem poesia
estes
nas superfícies rançosas
das mesas de café

quando a tempestade
- ou a deflagração do incêndio -
ficam em lembrança para um outro dia

um outro dia
que não este

e quando o bloqueio surge
nos tendões do possesso

opto por lembrar
que a tormenta e o fogo
são os subterfúgios espúrios

- opto por ficar
litania e panaceia
à mão de semear

DV

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

o [d]efeito placebo

no meio apodreço o homem.
digo-o às mãos,
em pressa de vultos,
a salvo do berço que o solo
me excede.
é o [d]efeito placebo da coreografia inúmera
de um amanhã em segunda mão.
a lesão certa para o destino.


mais não.
o vago escava-se a si mesmo
como pedido de abandono.
como cavilha de um dever.
e tocamo-nos assim,
parturientes,
saciados de leitos e lugar nenhum.
é o antónimo do seu íntimo.


o verso preme o gatilho à ínfima letra.
é-nos dentro.
com essa dor me aqueço e,
sabê-lo em vão os espaços,
é um dia sem transbordar o lado
efémero da fatalidade.
os próximos braços.


ao redor,
os voyeurs do perdão destoam do furto
e desbotam.
é, esse assomo, livre.
caem o crude do corpo
para não atear o futuro,
gastando em todas as direcções
a cálida rudeza de existir.
de norte a sul,
o fim assim aceso.


não é justo.
eu também mereço cair.

DT

sábado, 26 de novembro de 2011

genótipo de deus

domingo.
o rosto em demasia, oponível,
baseado na imagem de um espelho
em erosão de náufragos.
deve ser isto, a beleza:
um abismo dial.
sei-o a conta-gotas,
como forma de primeiro cancro,
legalizando nos rastos a ideia de deus.
é, adentro, uma ameaça de fé.


e o amor?
há os que se matam assaz,
baleados em factos reais,
percutidos na astenia votiva
de um filho por desistir.
já ninguém se preza a morrer em detalhe.
fingir que nunca as formas lânguidas,
tão letais depois de nos virmos,
onde os erros de cronologia são acrescentos
portáteis ao afã das lembranças.
um dom anacrónico.


também eu, mormente,
sou um corpo onde não morar.
há sempre uma que acredita querer-me,
vítima de uma vagina sem escudo,
falecendo o melhor que pode numa ressaca
de braços onde entulho as manhãs.
são os destroços de serviço,
estas mulheres horizontais.
as cáries dos livros.
resgatá-las,
nos intervalos do amor,
é a única maneira de levar a cabo
a imbatível certeza do fracasso.


a vida ensina a morrer.
a molestar os estofos com o genótipo
de deus.
se precisarem de mim,
estarei na forca do próximo poema.


genótipo: só.

DT

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Explicação 23

Explicação dos antípodas: a impossibilidade de ir mais longe, e voltar para trás indo em frente.

DT

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

"Lady, three white leopards sat under a juniper-tree"
T. S. Eliot

menina
dois leopardos deitaram-se à copa do jacarandá
vigilantes do tempo que teima
em deixar rasto de coisa nenhuma

ocupam-se eles de afiar os dentes
nos rugidos um do outro
a bem dos espaços de forçada doçura

ao pé do jacarandá desagua a tua porta
e ao pé da tua porta desaguo eu
perante a indiferença dos felinos

olham-nos eles de olhar canino
[cedo de bom grado à lógica]
com bocejos esticados até às orelhas

pesados de indolência incolor
olham-nos os bichos - dizia eu -
prenhes das sentenças dos carrascos

DV

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

domingo, 13 de novembro de 2011

queimo a ponte
por onde me alcançarias

faço-te um favor -
podia accionar o isqueiro
quando estivesses a atravessar

[podia]

construí e percorri sozinho
a ponte de madeira

[desmembrei a carnadura
e o esqueleto da minha casa

e as traves e o tabuado
que me albergavam
são agora um caminho
lasso - sem retorno]

o muito que se poderia fazer
com gasolina azul de 98 octanas

[pensam o cínico e o joker
ambos de bocas rasgadas]

por isso farei o que quero
e farei o que posso
acabado o último cigarro

DV

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

estética de um desastre

são as ruínas que nos habituam
a tudo o que há de verdade.
não está em nós.
aprendemos os outros,
um a um,
em jeito de arredor,
como se o tempo se iludisse com molduras
na sedimentação das idades.


trinta e três, quarenta e quatro.
sem outros cônjuges,
as mãos,
e os corpos em dezembro,
sem intervalos.
é assim a estética de um desastre
que sem resposta nos vacila.
durante.
imprecisos.
infantes na errância dos limbos.


não sei bem como se inscreve
um motivo mas há ainda uma boca
que nos é sede.
sorve-nos a fuselagem dos atalhos.
e dela brotamos íngremes
para extinguir os mapas na varanda
dos dedos.
escopo ou ónus este silêncio?
féretro.


quantos se esbatem na aleatória convalescença
dos ritos?


amo-te.
é a minha maneira de dizer-te adeus.

DT

domingo, 6 de novembro de 2011

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

sei que o teu mundo
é povoado de pesadelos

- o meu também -

fixo a escuridão do quarto
à procura de confirmação

e assim fico
a admirar a beleza
e a mansetude do horrendo

na perpetuação
de tempos antigos nunca extintos

DV

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

a beleza arguida

palavras,
se as houvesse,
para aposentar o pecado
nas coordenadas do sangue.
a pele acontecendo.
não teríamos acordado sem legendas,
desnudos e com os genitais desarrumados,
ferindo o cio com os afluentes do hábito
e o ofício da fome.


déspota,
o teu corpo é o meu álibi para faltar à vida.
o incentivo ao pavor.  
leio-te com as mãos para folhear-te a carne,
nómada pelo que te quero,
e só assim me iludo.


agora acredito.
somos, tantas vezes,
os lacustres assassinos de claves.
a asma das bússolas.
e como se isso nos bastasse,
a manhã dói-nos pelas costuras
e não há dia que amorteça o beijo
que nos envelhece.


até onde?
a retina vende-se por tão pouco
nas traseiras de um verbo
mas deste fim pouco sabemos.
ou pouco sei.


e à primeira lágrima,
sentirás na boca o refrão de um punho,
e à cabeceira dos vínculos devolver-te-ás
à beleza arguida da única sigla que escolheste
para a gestão do amor:
HIV

DT

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

ao diante
o choro de um ninho de larvas
ruidosas na minha absorta autofagia

não choro com elas
mas a contemplação faz-me vir à tona


[à tona de quê

começar o poema com a fúria
de saber o mundo aniquilando-o

porém o início é sempre o
da desconfiança das palavras

instrumentos que oscilam
entre árias e vozes guturais

instrumentos de desconhecimento
onde não surjo nem me denuncio

onde não me descubro
por mais que sejam desmembradas as letras
com as interpretações profanadas

foda-se - à tona de quê]


atrás
o choro de mil larvas senis
liquidadas na minha perene autofagia

de que serve chorar com elas
a contemplação não me faz vir à tona


DV

sábado, 29 de outubro de 2011

menarca

entre as ancas de um livro,
cem mãos sem dedos escrevem a vermelho mênstruo
a venérea ausência de cristo.
A ferida exacta.
o acto de rasgar,
tão perfeitamente desesperado,
é o sustento de um guião vascular para os lúcidos.
uma criação suicida.


há quem não entenda as vocações terminais.
as ruínas fundadoras de homens.
a beleza incompleta,
em procissão de vinho pelas pernas,
invade-me a boca como forma de [a]deus.


só então me venho,
ali,
no cúmulo dos tecidos transactos
e estradas tolhidas,
celebrando a ilegal distribuição de vivos
por talvegues maternos atados ao parto
[para nem sempre respirar].


há quem não entenda as vocações terminais.
como infectar de amor a cadência líquida
da tua ascensão a árvore.

DT

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Explicação 16

Explicação dos amigos: estrelas cada dia mais distantes num universo em expansão.

JA

Explicação 14

Explicação do estudante: dedicado explorador do nanómetro a quem a macroscopia, com o tempo, provoca vertigens.

JA

terça-feira, 25 de outubro de 2011

como o homem sigilo
risquei um clarão no firmamento
- de tão opaco
[do levante ao poente]
gravou uma cicatriz no solo

assim o homem esquivo
cravei a trincheira no chão coalhado
- a erupção estancada
[do poente ao levante]
da vulva ressequida

DV

Explicação 12

Explicação do suor: o corpo destila a peçonha com que me envenenaste.

DV

Explicação 11

Explicação da palavra:

DV

Explicação 10

Explicação de deus: tem de haver um receptáculo para a raiva e para a culpa.

DV

Explicação 9

Explicação da origem: há que manter os homens ocupados com a interrogação - e alienados da construção.

DV

Explicação 8

Explicação da cruz: quatro caminhos sem saída - e o corpo ao centro.

DV

Explicação 7

Explicação da cruz: o corpo de costas voltadas para a encruzilhada.

DV

Explicação 6

Explicação da lápide: negação da competência em ler nas entrelinhas.

DV

Explicação 5

Explicação do filho: a armadilha que nos resgata.

DV

Explicação 4

Explicação do ruído: é necessário preencher os vazios entre os silêncios.

DV

Cemitério 1


eu pensava que era a predilecta
criação de deus na terra

e por isso despertava e adormecia
com a imortalidade do tempo perdido
em minhas encardidas mãos

mas entrei de manso e em silêncio
na cidade dos mortos

e transposta a entrada
ali - do berço à lápide - tudo é circular
e sem pontos de fuga

[Fotos do Cemitério paroquial de Santo António da Serra]

DV

Explicação 3

Explicação da criação: há que cair e voltar a erguer-se.

DV

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Explicação 1

Explicação do aceno: a mão movimenta o ar estagnado da tua ausência.

VS
faltas-me tu - inimigo
ninguém mais

para que possa cumprir-me
olho-te na testa - e faço-te
cuspir sangue na minha cara

com as unhas
perfuro-te o abdómen
e sinto as vísceras fedorentas

sou indestrutível
- preciso do teu sangue
para dissolver o meu sangue

e da culpa e da raiva
fecundas -
que me aplaquem de verdade

preciso da dissonância engolida
que da tua boca brote
para esquecer o que se segue

entre um morto e um ferido
fico eu aqui - a pairar
sem último sacramento

DV
a horda lânguida
não se apercebe da melodia
que eclode das linhas do teu colo

dos teus eflúvios procedem
a morfologia dos dias

- entre as minhas mãos
uma gramática suja

que não permite dizer-te

[se pudesse dizer-te
que diria eu]

DV

domingo, 23 de outubro de 2011

certidão de ódio

no soalho das garrafas que me bebem
há uma tábua de marés que te escreve
para trás.
prolonga o teu pendor.
é assim,
sem nada a roubar à memória,
que frequentas aulas de perda de sangue.
a catequese do afogamento,
sempre segundo o evangelho,
onde cometo as núpcias das tuas metades possíveis.


não te comovas.
é no gargalo do mundo que os defuntos menstruam
mas há outros saibos propícios ao vestígio.
os nunca instantes,
à prova de canibalismos,
expulsos do tempo em prol do alento.


só assim é possível rejubilar.
ainda me comovi uma vez,
espantosamente mais tarde,
quando soube que ao foderes
em meu nome não mais pedias
que te chamassem de puta.
talvez fosse domingo.


minha estimada imperfeição,
o nome nunca é a capital do corpo.
em vão explico-te a mecânica das metáforas
e o direito a ser executado porfiadamente
mas sempre elegeste o catecismo
como manual de prostituição.
a tua certidão de ódio.


não te comovas.
nunca é o último copo nem o último xanax.
[e não necessariamente nesta desordem].
a poesia é a esmola que te serve de amor
mas só no inferno me atrevo a cuspir
o hímen de maria.

DT

sábado, 22 de outubro de 2011

conheço o lugar
onde até os gatos desistiram de viver

após o último estertor
acabam por emoldurar as paredes brancas

de nada lhes serve
a languidez em espaços vazios

onde o tempo ensina
que o tempo é indomável

*

I know the place
where even cats have given up life

after the last death rattle
they end up framing the white walls

languidness has no use for them
in empty spaces

where time teaches
that time cannot be tamed


DV

Quatro Vozes

Este blogue principia com parcas palavras: quatro amigos, unidos na criação literária - unidos na poesia. Quatro vozes:
Joana Aguiar [JA]
Vítor Sousa [VS]
Duarte Temtem [DT]
Dinarte Vasconcelos [DV]


somos a irmandade dos telhados
- salteadores debruçados sobre a turba -

armados de um nó na garganta
não obliteramos porém as vozes
e não nos prendemos a coisa nenhuma