sábado, 26 de novembro de 2011

genótipo de deus

domingo.
o rosto em demasia, oponível,
baseado na imagem de um espelho
em erosão de náufragos.
deve ser isto, a beleza:
um abismo dial.
sei-o a conta-gotas,
como forma de primeiro cancro,
legalizando nos rastos a ideia de deus.
é, adentro, uma ameaça de fé.


e o amor?
há os que se matam assaz,
baleados em factos reais,
percutidos na astenia votiva
de um filho por desistir.
já ninguém se preza a morrer em detalhe.
fingir que nunca as formas lânguidas,
tão letais depois de nos virmos,
onde os erros de cronologia são acrescentos
portáteis ao afã das lembranças.
um dom anacrónico.


também eu, mormente,
sou um corpo onde não morar.
há sempre uma que acredita querer-me,
vítima de uma vagina sem escudo,
falecendo o melhor que pode numa ressaca
de braços onde entulho as manhãs.
são os destroços de serviço,
estas mulheres horizontais.
as cáries dos livros.
resgatá-las,
nos intervalos do amor,
é a única maneira de levar a cabo
a imbatível certeza do fracasso.


a vida ensina a morrer.
a molestar os estofos com o genótipo
de deus.
se precisarem de mim,
estarei na forca do próximo poema.


genótipo: só.

DT

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Explicação 23

Explicação dos antípodas: a impossibilidade de ir mais longe, e voltar para trás indo em frente.

DT

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

"Lady, three white leopards sat under a juniper-tree"
T. S. Eliot

menina
dois leopardos deitaram-se à copa do jacarandá
vigilantes do tempo que teima
em deixar rasto de coisa nenhuma

ocupam-se eles de afiar os dentes
nos rugidos um do outro
a bem dos espaços de forçada doçura

ao pé do jacarandá desagua a tua porta
e ao pé da tua porta desaguo eu
perante a indiferença dos felinos

olham-nos eles de olhar canino
[cedo de bom grado à lógica]
com bocejos esticados até às orelhas

pesados de indolência incolor
olham-nos os bichos - dizia eu -
prenhes das sentenças dos carrascos

DV

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

domingo, 13 de novembro de 2011

queimo a ponte
por onde me alcançarias

faço-te um favor -
podia accionar o isqueiro
quando estivesses a atravessar

[podia]

construí e percorri sozinho
a ponte de madeira

[desmembrei a carnadura
e o esqueleto da minha casa

e as traves e o tabuado
que me albergavam
são agora um caminho
lasso - sem retorno]

o muito que se poderia fazer
com gasolina azul de 98 octanas

[pensam o cínico e o joker
ambos de bocas rasgadas]

por isso farei o que quero
e farei o que posso
acabado o último cigarro

DV

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

estética de um desastre

são as ruínas que nos habituam
a tudo o que há de verdade.
não está em nós.
aprendemos os outros,
um a um,
em jeito de arredor,
como se o tempo se iludisse com molduras
na sedimentação das idades.


trinta e três, quarenta e quatro.
sem outros cônjuges,
as mãos,
e os corpos em dezembro,
sem intervalos.
é assim a estética de um desastre
que sem resposta nos vacila.
durante.
imprecisos.
infantes na errância dos limbos.


não sei bem como se inscreve
um motivo mas há ainda uma boca
que nos é sede.
sorve-nos a fuselagem dos atalhos.
e dela brotamos íngremes
para extinguir os mapas na varanda
dos dedos.
escopo ou ónus este silêncio?
féretro.


quantos se esbatem na aleatória convalescença
dos ritos?


amo-te.
é a minha maneira de dizer-te adeus.

DT

domingo, 6 de novembro de 2011

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

sei que o teu mundo
é povoado de pesadelos

- o meu também -

fixo a escuridão do quarto
à procura de confirmação

e assim fico
a admirar a beleza
e a mansetude do horrendo

na perpetuação
de tempos antigos nunca extintos

DV

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

a beleza arguida

palavras,
se as houvesse,
para aposentar o pecado
nas coordenadas do sangue.
a pele acontecendo.
não teríamos acordado sem legendas,
desnudos e com os genitais desarrumados,
ferindo o cio com os afluentes do hábito
e o ofício da fome.


déspota,
o teu corpo é o meu álibi para faltar à vida.
o incentivo ao pavor.  
leio-te com as mãos para folhear-te a carne,
nómada pelo que te quero,
e só assim me iludo.


agora acredito.
somos, tantas vezes,
os lacustres assassinos de claves.
a asma das bússolas.
e como se isso nos bastasse,
a manhã dói-nos pelas costuras
e não há dia que amorteça o beijo
que nos envelhece.


até onde?
a retina vende-se por tão pouco
nas traseiras de um verbo
mas deste fim pouco sabemos.
ou pouco sei.


e à primeira lágrima,
sentirás na boca o refrão de um punho,
e à cabeceira dos vínculos devolver-te-ás
à beleza arguida da única sigla que escolheste
para a gestão do amor:
HIV

DT

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

ao diante
o choro de um ninho de larvas
ruidosas na minha absorta autofagia

não choro com elas
mas a contemplação faz-me vir à tona


[à tona de quê

começar o poema com a fúria
de saber o mundo aniquilando-o

porém o início é sempre o
da desconfiança das palavras

instrumentos que oscilam
entre árias e vozes guturais

instrumentos de desconhecimento
onde não surjo nem me denuncio

onde não me descubro
por mais que sejam desmembradas as letras
com as interpretações profanadas

foda-se - à tona de quê]


atrás
o choro de mil larvas senis
liquidadas na minha perene autofagia

de que serve chorar com elas
a contemplação não me faz vir à tona


DV