sábado, 29 de outubro de 2011

menarca

entre as ancas de um livro,
cem mãos sem dedos escrevem a vermelho mênstruo
a venérea ausência de cristo.
A ferida exacta.
o acto de rasgar,
tão perfeitamente desesperado,
é o sustento de um guião vascular para os lúcidos.
uma criação suicida.


há quem não entenda as vocações terminais.
as ruínas fundadoras de homens.
a beleza incompleta,
em procissão de vinho pelas pernas,
invade-me a boca como forma de [a]deus.


só então me venho,
ali,
no cúmulo dos tecidos transactos
e estradas tolhidas,
celebrando a ilegal distribuição de vivos
por talvegues maternos atados ao parto
[para nem sempre respirar].


há quem não entenda as vocações terminais.
como infectar de amor a cadência líquida
da tua ascensão a árvore.

DT

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Explicação 16

Explicação dos amigos: estrelas cada dia mais distantes num universo em expansão.

JA

Explicação 14

Explicação do estudante: dedicado explorador do nanómetro a quem a macroscopia, com o tempo, provoca vertigens.

JA

terça-feira, 25 de outubro de 2011

como o homem sigilo
risquei um clarão no firmamento
- de tão opaco
[do levante ao poente]
gravou uma cicatriz no solo

assim o homem esquivo
cravei a trincheira no chão coalhado
- a erupção estancada
[do poente ao levante]
da vulva ressequida

DV

Explicação 12

Explicação do suor: o corpo destila a peçonha com que me envenenaste.

DV

Explicação 11

Explicação da palavra:

DV

Explicação 10

Explicação de deus: tem de haver um receptáculo para a raiva e para a culpa.

DV

Explicação 9

Explicação da origem: há que manter os homens ocupados com a interrogação - e alienados da construção.

DV

Explicação 8

Explicação da cruz: quatro caminhos sem saída - e o corpo ao centro.

DV

Explicação 7

Explicação da cruz: o corpo de costas voltadas para a encruzilhada.

DV

Explicação 6

Explicação da lápide: negação da competência em ler nas entrelinhas.

DV

Explicação 5

Explicação do filho: a armadilha que nos resgata.

DV

Explicação 4

Explicação do ruído: é necessário preencher os vazios entre os silêncios.

DV

Cemitério 1


eu pensava que era a predilecta
criação de deus na terra

e por isso despertava e adormecia
com a imortalidade do tempo perdido
em minhas encardidas mãos

mas entrei de manso e em silêncio
na cidade dos mortos

e transposta a entrada
ali - do berço à lápide - tudo é circular
e sem pontos de fuga

[Fotos do Cemitério paroquial de Santo António da Serra]

DV

Explicação 3

Explicação da criação: há que cair e voltar a erguer-se.

DV

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Explicação 1

Explicação do aceno: a mão movimenta o ar estagnado da tua ausência.

VS
faltas-me tu - inimigo
ninguém mais

para que possa cumprir-me
olho-te na testa - e faço-te
cuspir sangue na minha cara

com as unhas
perfuro-te o abdómen
e sinto as vísceras fedorentas

sou indestrutível
- preciso do teu sangue
para dissolver o meu sangue

e da culpa e da raiva
fecundas -
que me aplaquem de verdade

preciso da dissonância engolida
que da tua boca brote
para esquecer o que se segue

entre um morto e um ferido
fico eu aqui - a pairar
sem último sacramento

DV
a horda lânguida
não se apercebe da melodia
que eclode das linhas do teu colo

dos teus eflúvios procedem
a morfologia dos dias

- entre as minhas mãos
uma gramática suja

que não permite dizer-te

[se pudesse dizer-te
que diria eu]

DV

domingo, 23 de outubro de 2011

certidão de ódio

no soalho das garrafas que me bebem
há uma tábua de marés que te escreve
para trás.
prolonga o teu pendor.
é assim,
sem nada a roubar à memória,
que frequentas aulas de perda de sangue.
a catequese do afogamento,
sempre segundo o evangelho,
onde cometo as núpcias das tuas metades possíveis.


não te comovas.
é no gargalo do mundo que os defuntos menstruam
mas há outros saibos propícios ao vestígio.
os nunca instantes,
à prova de canibalismos,
expulsos do tempo em prol do alento.


só assim é possível rejubilar.
ainda me comovi uma vez,
espantosamente mais tarde,
quando soube que ao foderes
em meu nome não mais pedias
que te chamassem de puta.
talvez fosse domingo.


minha estimada imperfeição,
o nome nunca é a capital do corpo.
em vão explico-te a mecânica das metáforas
e o direito a ser executado porfiadamente
mas sempre elegeste o catecismo
como manual de prostituição.
a tua certidão de ódio.


não te comovas.
nunca é o último copo nem o último xanax.
[e não necessariamente nesta desordem].
a poesia é a esmola que te serve de amor
mas só no inferno me atrevo a cuspir
o hímen de maria.

DT

sábado, 22 de outubro de 2011

conheço o lugar
onde até os gatos desistiram de viver

após o último estertor
acabam por emoldurar as paredes brancas

de nada lhes serve
a languidez em espaços vazios

onde o tempo ensina
que o tempo é indomável

*

I know the place
where even cats have given up life

after the last death rattle
they end up framing the white walls

languidness has no use for them
in empty spaces

where time teaches
that time cannot be tamed


DV

Quatro Vozes

Este blogue principia com parcas palavras: quatro amigos, unidos na criação literária - unidos na poesia. Quatro vozes:
Joana Aguiar [JA]
Vítor Sousa [VS]
Duarte Temtem [DT]
Dinarte Vasconcelos [DV]


somos a irmandade dos telhados
- salteadores debruçados sobre a turba -

armados de um nó na garganta
não obliteramos porém as vozes
e não nos prendemos a coisa nenhuma